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Laços e Nós – por Ana Veloso

O que compõe o universo feminino? No senso comum, é fácil descrever: relações de afeto e proximidade; delicadeza e propensão ao perdão; minúcia no trabalho; roupas e calçados que realçam a identidade; cabelos e unhas bem feitos; e, para as mais cuidadosas, maquiagem até no dia-a-dia. Não são necessários tantos recursos financeiros. Com criatividade, mulheres estão empenhadas em cumprir com vários destes padrões.

Agora transfira esse universo para uma prisão feminina. Despersonalizadas pelo uniforme vermelho que caracterizam as prisões administradas pelo governo, as mulheres condenadas estabelecem uma dinâmica própria de sobrevivência àquele ambiente. A maioria desenvolve – ou deixa despontar – uma aguda masculinidade. São hostis, agressivas na fala e no olhar, refratárias ao contato, isoladas em sua dor.

Algumas vezes, são condenadas porque assumiram o erro poupando filhos e maridos da condenação da Justiça. Outras vezes, são protagonistas do crime, sobretudo no tráfico de drogas.

No Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, apenas 60% das condenadas recebem visitas familiares. Ao contrário do observado nas prisões masculinas, onde as mães, companheiras e filhos marcam presença nas visitas, as mulheres são visitadas especialmente por suas mães. No caso das mulheres é comum o abandono do companheiro, salvo aquelas que mantem relações homossexuais.

A atividade de segurança é majoritariamente realizada por mulheres. Na posição das agentes com seus uniformes, postura vigilante e rosto sisudo, estão mulheres que, além de fazer daquele o seu ganha-pão, idealizam contribuir com a retomada de vida das condenadas. Elas relatam a visita de alguns dos filhos de presas que, ainda pequenos, passam pelas agentes fazendo gesto de atiradores, talvez apresentando símbolos da realidade que os atravessa. Isso indica a relevância de um trabalho social focado nas famílias dessas mulheres. Com a mãe presa, que história de vida crianças irão construir? Percebe-se aqui um impacto social da prisão das mulheres mães. O que dizer então dos filhos que nascem dentro da prisão?

Destaca-se a experiência implantada em Minas Gerais: o Centro de Referência da Gestante Privada de Liberdade em Vespasiano, que atende às mulheres grávidas. Em um ambiente que mais se aproxima de uma creche do que de uma prisão, elas têm o direito de se dedicar aos bebês até que completem um ano de vida. Depois desse tempo, a criança segue para a família ou adoção, enquanto a mãe finaliza o cumprimento de sua pena. Afinal, são mulheres que cometeram algum crime e precisam ser punidas, e, não realizar essa ruptura seria condenar também a criança.

Cresce o número de mulheres presas. Reflexo de um momento social peculiar e do papel feminino na sociedade, inclusive no mundo do crime. Se a prisão de um pai já representa um grande impacto para suas famílias, o que dizer da condenação de mulheres – mães, filhas, esposas?

Neste caso, a quebra de laços familiares muitas vezes é profunda e violenta. Para essas mulheres, retornar à liberdade é abraçar o complexo desafio de refazer os vínculos familiares. O que antes era laço se torna nó: difícil, mas possível de desatar.

Ana Luiza Veloso, gerente de projetos do Minas Pela Paz

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