minas pela paz

Noticias

Toxicomania e crime – por Maurílio Pedrosa

Os nomes são fictícios, mas os personagens, reais. Egressos do sistema prisional, ao serem entrevistados, Carlos e Joaquim falam do contexto de suas famílias. Ambos terminaram de cumprir suas penas por tráfico de drogas. Carlos relata que a mãe era alcoólatra durante sua infância e adolescência, mesma época em que sofria maus tratos por parte do padrasto. O pai natural, Carlos até sabe quem é, mas prefere não reconhecer. Joaquim chegou a conhecer o pai, mas nunca foi por ele registrado. Sua mãe sofre de alcoolismo e recusa tratamento.

Estes são apenas recortes de histórias familiares de duas pessoas com trajetórias de vida marcadas pelo crime. Duas histórias que, no mínimo, nos convidam a refletir. Pode-se supor que o uso de drogas pelos pais – principalmente as drogas legais – não empurra diretamente os filhos para o crime. Mas, ainda assim, haverá alguma relação específica entre o uso de drogas legais ou ilegais pela família e a entrada no crime?

Em artigo publicado pelo jornal O Popular, de Goiás, em abril de 2013, o juiz Jesseir Coelho, presidente do Tribunal do Júri de Goiânia, cuja carreira acumula mais de duas mil sessões de júri, afirma: “As famílias de pessoas que comentem crimes exibem uma dinâmica disfuncional e tensa (…) É comum encontrar nesse contexto famílias desestruturadas, com altos índices de desemprego, com problemas de relacionamento, alcoolismo e drogas”.

Em pesquisa realizada pelo Minas Pela Paz em cinco unidades prisionais no entorno de Belo Horizonte, rastreamos a presença da toxicomania – consumo compulsivo de drogas – nas famílias das pessoas privadas de liberdade. O universo pesquisado foi de 365 detentos dos regimes fechado e semiaberto: pessoas que cometeram crimes de naturezas diversas e que cumpriam penas diferenciadas em sua extensão. 58% dos entrevistados afirmam que pelo menos uma pessoa de suas famílias usa drogas, registrando o consumo de álcool, cigarro, crack, maconha, cocaína, heroína, lança-perfume, LSD ou tíner. Em muitos casos, ocorre o uso associado de mais de um tipo de substância. O alcoolismo aparece em 37,4% do total de famílias que registram a toxicomania. Já o crack é apontado em 14,6% dos casos e a cocaína, em 10,3% deles. Maconha corresponde a 17,8% do total.

Carlos e Joaquim estão empenhados em reconstruir suas vidas. A mãe de Carlos afastou-se do álcool. Ele, fumante inveterado, largou as drogas ilícitas e, no esporte (rapel), realiza suas aventuras e descarrega as tensões de quem busca a reconstrução da vida depois da prisão. Joaquim anda assustado com as situações de embriaguez da mãe: “Parece que tem alguma coisa puxando a gente pra baixo”, argumenta. Ainda buscando o seu novo lugar social, quer ajudar a mãe a reencontrar a dignidade sem o álcool. Mas vai, devagar, compreendendo a importância de cuidar de si mesmo para conseguir ampliar esse cuidado à família.

Se nossos personagens conseguiram mesmo largar as drogas, isso só o tempo nos dirá. Mas é duro constatar que talvez as drogas não os tenham largado. Vivida a experiência do cárcere, mais fortes ou mais do que nunca fragilizados, eles precisarão ser persistentes e firmes para afastarem-se, permanentemente, desse inimigo.

Maurílio Pedrosa, gestor do Minas Pela Paz

toxicomania

veja também